3 de nov. de 2008


Aos 20 anos, decidiu fazer uma irezumi, a tatuagem de corpo inteiro característica dos que pertencem ao mundo do crime japonês. "Foi depois de uma surra especialmente ruim que entendi que tinha de fazer alguma coisa drástica. Abandonei as drogas, decidi nunca mais sair com homens da Yakuza e entrei no ateliê de tatuagem: para seguir em frente, tinha de reconhecer meu DNA", explica. Na tradição da máfia, as tatuagens simbolizam a afiliação de um clã e, como levam mais de cem horas para ficar prontas, a capacidade de suportar a dor. "Vi na tatuagem uma maneira de mostrar o dedo para os homens da Yakuza e assumir o controle."

"Os vizinhos não deixavam seus filhos brincarem comigo e, para piorar, na escola eu era rejeitada"

Algum tempo depois, fomos à casa de sua irmã para continuar a conversa. Ela tira a camiseta e revela a tatuagem, que vai desde o pescoço até os calcanhares e inclui os seios e as nádegas. Shoko Tendo é tranqüila e discreta. São poucos que topam com ela pelas ruas agitadas de Sugamo, um subúrbio ao norte de Tóquio, que percebem estar tão perto de uma mulher que já pertenceu à Yakuza.

Está garoando quando caminhamos pelas ruas de Sugamo até o cemitério onde Shoko prestará a homenagem mensal aos pais. Ela acende alguns incensos e reza no santuário budista do cemitério. O pai, Hiroyasu, morreu em 1997 sem nunca ter se recuperado da falência. Morreu pobre e desiludido. Pergunto o que ela disse em suas orações. "Agradeci por me trazerem ao mundo e por me fazerem quem sou. A meu pai, por me fazer corajosa, e a minha mãe, por me fazer acreditar em mim mesma."

"Comecei a usar drogas e a transar com qualquer homem que aparecesse"

Hoje Shoko também é mãe - Komachi, dois anos, é o resultado de um caso que teve com um fotógrafo. Ela decidiu não interromper a gravidez, apesar de saber que as mães solteiras são consideradas párias sociais no Japão. "Estou escrevendo meu próximo livro sobre o que é ser uma mãe solteira", diz, enquanto voltamos para o metrô. "Não quero chocar. Apenas tenho uma mentalidade mais aberta do que a maioria dos japoneses, e essa é uma das poucas conseqüências positivas da minha formação na Yakuza." Ela espera que o livro mostre que as mães solteiras podem ser tão dedicadas a seus filhos quanto qualquer outra: "Ser mãe de Komachi é definitivamente a melhor coisa que já fiz".

Diante da bagagem, pergunto como pretende proteger a filha se a menina for provocada por causa de seu passado. "Se alguém for cruel com minha filha", ela adverte, com a ferocidade da Yakuza, "eu mato." Depois, baixa o tom e acrescenta que nunca se permitirá chegar a esse estágio. "Sempre estarei lá para ajudá-la. Ela não vai cometer meus erros."

Pérolas nos genitais
Os italianos têm a Máfia. Os americanos, a Cosa Nostra. Os japoneses têm a Yakuza. Essa organização, estima-se, fatura mais de 10 bilhões de dólares por ano. E é conhecida por características pitorescas: seus membros usam óculos escuros, ternos coloridos, pérolas nos órgãos genitais e, alguns, tatuam o corpo inteiro, dos pés ao pescoço, numa prova de resistência à dor. Essa tatuagem é conhecida como irezumi. O dinheiro da Yakuza vem do tráfico de drogas, da extorsão a grandes empresários e investidores, da prostituição e do contrabando no mercado pornográfico. Outra característica é o ritual de pedido de perdão por um erro: cortar um dos dedos da mão e oferecê-lo a seu chefe.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fotos: Jeremy Sutton-Hibbert


Fonte: Globo.com

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